domingo, 9 de dezembro de 2007

BAR DO MARQUINHOS

Há um mês atrás, dei uma sumida da cidade maravilhosa para descansar a cabeça, e fui parar em Conservatória, conhecida como cidade da seresta. O interessante lugarejo possui apenas duas ruas, e em quase todos seus casarios antigos podemos escutar boa música. Lá existem os museus do Guilherme de Brito, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves, Gilberto Alves, e Vicente Celestino. Dizem que é um lugar para velhos, mas discordo fervorosamente. A seresta come solta até altas horas da madrugada com belas canções, e logo cedo o som já está acontecendo nas praças.

Bom, procurava um lugar para comer e beber, e o destino me levou para onde realmente deveria ir. O bar na verdade se chama Família Buscapé, pois é tocado pelo Marcos, sua esposa, e filhas, mas todos conhecem o local como Bar do Marquinhos.

Logo que entrei, fui recebido como um freguês secular da casa pelo Marquinhos. O cara é um boa praça daqueles, um piadista, um verdadeiro camarada de botequim. Comi um sanduiche covarde de pão com linguiça mineira e queijo, e para beber, cerveja mofada. Mas o detalhe da casa é a cachaça artesanal, que o Marcos fabrica em seu alambique. O nome dela? Tombo, cachaça Tombo.





Quando devorava a iguaria, ele percebeu que eu olhava curioso para o garrafão em cima do balcão, e sem me perguntar, colocou uma farta dose na mesa e disse:

- Mata logo a curiosidade, e sem medo, é a melhor da região.

Como desceu bem a danada, várias outras doses foram ingeridas durante minha curta estadia.

Comentei-lhe que gostava muito da cachaça Palmelinha (veja aqui), de Varginha-MG, e que voltaria ainda neste ano para levar-lhe uma garrafa. E ele:

- Só acredito vendo, o ano já está acabando, mas se trouxer no próximo também aceito.

Pois bem, estou escrevendo este texto recém chegado de lá, passei este fim de semana em Conservatória. Cheguei sábado bem cedo, larguei minha mochila na pousada do Seu Nilson, outro gente fina, e fui em direção ao Bar do Maquinhos com a Palmelinha na mão. Ele estava na porta do estabelecimento e vez alvoroço ao me ver, mesmo estando ainda um pouco longe do boteco.

- Tu voltou mesmo, pensei que fosse lorota...

- Toma aqui o que te prometi...

Virou festa! Como o fato de um homem honrar a palavra, mesmo com uma coisa simples dessa, faz o outro feliz. O cidadão não me deixou pagar nada no almoço, colocou Tombo na mesa, e ficou contando o fato e mostrando a garrafa para todos seus velhos amigos como se fosse um menino.

Voltei à noite, e antes que colocasse a branquinha na mesa, intervi:

- Não sei se bebo, ando meio resfriado...

Respondeu de bate-pronto:

- Não esquenta meu nobre, aqui tem remédio também, guenta dois minutos que já preparo.

Mais uma vez me deixava curioso, mas no tempo prometido vinha ele com um copo largo de uísque, e uma bebida amarelada dentro:

- Bebe que melhora, é limão, mel da casa, e Tombo! Sempre sirvo aqui!

E não mentia o chistoso, não deram nem dez minutos e veio um cara suplicar pela tal cura. Bebi dois copos de um dos remédios mais saborosos que tive que tomar.





Hoje pela tarde, antes de voltar para o Rio, fui me despedir e aproveitei para comer os deliciosos pastéis que faz sua mulher, e quando levantava-me para o abraço final veio ele novamente:

- Felipe, espera um pouco que vou te dar um negócio.

E em menos de cinco minutos volta com uma garrafa na mão, e berrando diante do balcão:

- Toma, leva um litro de Tombo de presente, bebe com a tua rapaziada, e volte quando quiser meu chapa, aqui as portas sempre estarão abertas.

Voltei feliz da vida, e com a certeza de que amizade de botequim é fiel como relógio suíço.

Até

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

VIDA LONGA AO BICO DOCE

Caros amigos, depois de um tempo afastado deste espaço por circunstâncias da vida, volto com uma boa notícia. Anunciei aqui, no mês de setembro, o fechamento das portas da minha querida uisqueria Bico Doce, e ontem, depois de uma conversa por telefone com meu camarada Fernando, fiquei sabendo de sua reabertura.

A casa reabriu em novo local, quase ao lado do anterior. Antes, localizava-se no Beco das Cancelas, e agora, na rua do Rosário esquina com Cancelas.

Como sabem os mais chegados, o fechamento aconteceu por problemas financeiros, mas a pressão dos fregueses foi tão grande, que o Cabral resolveu reabrir o segundo mais antigo bar do Rio de Janeiro onde funcionava sua gráfica, pelo menos enquanto acaba de resolver as pendências do lugar original.

Bom, como podem perceber, as coisas ainda estão se ajustando, mas o importante é que o pessoal da confraria está de volta para saborear um bom uísque na noite no centro da cidade.

Salve o Bico Doce.

Até.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

BAR DO SEU GERALDO

Neste dia de finados atípico, sem chuva, resolvi fazer uma visita a um velho amigo no bairro da Abolição, o seu Geraldo. Acordei cedo e bem disposto, já tendo certeza do meu destino. Estava precisando de um passeio pelo subúrbio, sentir a gentileza das pessoas, rever alguns amigos, beber umas com eles.

Seu Geraldo tem uma linda birosca numa tranquila rua na divisa dos bairros da Abolição e Pilares. Uma rua daquelas em extinção, em que os moradores colocam cadeiras nas calçadas e levam junto uma garrafa de café com um bolo ainda na forma só para passarem o dia conversando com os vizinhos, crianças correndo atrás de pipas, e os mais coroas levando as gaiolas com seus coleiros para pegarem um solzinho na porta do boteco. Todos falando com todos e com sorrisos largos na cara, prova de simplicidade e felicidade.




Chegando lá encontrei-me logo com o Toninho, 56 anos, o maior soltador de pipas da região, o cara é viciado. Leva um isopor cheio de cerveja para a laje e fica lá o dia inteiro, mas tem um problema, às vezes sua mulher perde a paciência e vem o grito:

- "Tuninho", desce logo homem, já te falei que a comida tá na mesa... Deixa de ser maluco!

Conheço este pessoal há uns quinze anos, pois o namorado da minha mãe mora por ali.

Aos 85 anos, seu Geraldo trabalha sozinho, puxa de uma perna, e está há 53 anos no mesmo lugar, sempre de jaleco branco e um pano nas costas. Tempos atrás sua falecida mulher dava o ar da graça com deliciosos petiscos que faziam a alegria do estômago do pessoal. A cerveja é geladíssima, tremoços e azeitonas de saquinho são os quitutes da casa, mineirinho e grapete de garrafa estão lá para as afortunadas crianças.

De vez em quando chega alguém com uma panela de comida, e hoje o seu Luis, dono do ferro velho ao lado, levou uma farofa de linguiça, uma tigela de molho à campanha, e uma bandeja de corações de galinha feitos no forno para acompanhar nossa cerva, uma oferta de sua senhora. Uns ficam no balcão, outros se acomodam na calçada, e os de sorte sentam no sofá, sim no sofá. A vizinha dele ia jogar fora um sofá de dois lugares ainda novo, então ele teve a brilhante idéia de colocá-lo do lado de fora do bar para a clientela.





Seu Geraldo deve ser uma das pessoas mais simples que conheço, e faz todo mundo rir com algumas manias. Podem acreditar, o coroa ainda tem aquelas cartelas com fichas de orelhão pra vender, ele diz que sempre pode aparecer alguém precisando, e até pouco tempo tinha um engradado com Malt 90 fechadas, mas foi convencido a se desfazer dele.



Sempre que vou ali fico feliz, me sinto bem, sou tratado como se fosse da área, e qualquer pessoa que aparecer por lá será tratada da mesma maneira. Estamos tão carentes de momentos simples assim, que chegamos a achar que certas coisas são impossíveis nos dias de hoje.

Até.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

PRAZERES DA VIDA NA TIJUCA

Ser acordado bem cedo pelos raios do sol, que anunciam mais uma bela manhã de domingo. Tomar cafezinho, e ir pra rua. Ir de encontro ao meu tio, companheiro matinal, e curtir as ruas do bairro andando bem devagar por elas, somente pelo prazer de olhar as casas e as árvores. Fazemos isto tomando rumo da feira, onde compraríamos mais tarde algumas frutas e verduras. Ao sair da feira, já pelas onze da manhã, parada no bar do Chico para começar os trabalhos.





Lá encontramos os amigos de bar dos domingos, que nos ajudam a enriquecer um prosa ingênua, que deve sua existência à homens bobos e felizes por estarem ali.

Depois, já na parte da tarde, simplesmente atravessamos a rua e pedimos dois chopps e duas empadas no Salete, o histórico Salete. Ficamos quase uma hora conversando em pé do lado de fora, e meia dúzia de chopps depois, resolvemos entrar para almoçar um risoto, carro-chefe da casa.





A casa estava cheia, e as simples pessoas e famílias presentes encontravam-se felizes e sorridentes.



É o retrato de um bairro nobre, tenho orgulho de morar aqui desde que existo, há mais de três décadas.

Até.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

LUTO

Encontro-me de luto, brutalmente entristecido, isto porque um pedaço de mim acaba de morrer. Fechou nesta semana minha querida Uisqueria Bico Doce, recanto de momentos inesquecíveis, onde se encontravam amigos de uma vida inteira quase todos os dias. Situada no carioquíssimo Beco das Cancelas, e com cento e doze anos de idade, virou referência para quem gosta de uísque, de boa conversa, e simplesmente, de viver nossa cidade. Lá se falava de música e poesia, e também se fazia música e poesia, histórias do Rio eram relembradas com um enorme sentimento nostálgico, chorava-se e sorria-se sempre ao lado dos fiéis amigos e copos de boca larga.

Meu grande camarada Fernando Pinheiro ligou-me na última sexta, para me alertar do problema passado pelo comandante da casa, nosso querido Cabral. Juntamos o pessoal da confraria ontem para ver se conseguíamos ajudar de alguma forma, como se fosse o último suspiro. Mas infelizmente não foi possível manter as portas abertas, deixando mais taciturno aquele tradicional beco do centro da cidade.

Tem gente como o Fernando, que frequenta a casa há uns trinta anos, que está abatida, pois passavam por lá todos os dias, talvez com mais tempo de Bico Doce do que a própria casa.

Nossa vontade para a uisqueria ficar aberta é tanta, que ela acaba se tornando numa lírica esperança de que sempre haja um jeito, um final feliz.

Torcemos que o próximo a pegar o local, seja uma pessoa rara, e mantenha viva esta história centenária, para que os velhos e os novos amigos voltem a brindar por momentos únicos da vida.

Seguem algumas memórias que foram eternizadas em nossa querida casa:





domingo, 5 de agosto de 2007

INSISTO NOS DOMINGOS

Sim, insisto. Ultimamente este dia da semana está acontecendo de forma exagerada na minha vida. Tudo acontece, e de melhor. O problema é que no final do dia fico praticamente estragado, por isso as palavras são escassas. Simplificarei aqui os momentos vividos hoje para que tenham noção da grandiosidade dos domingos que tenho passado.

O de hoje iniciou-se às sete e quarenta na Praça XV, junto com o Rodrigo Ferrari, meu irmão mais velho. Esperávamos o Fraga para irmos de bicicleta até um destino maravilhoso, a Fortaleza de Santa Cruz. Perdemos a barca das oito porque o pneu da bicicleta do Fraga furou em Botafogo, mas meia hora depois tomamos o rumo da terra de Araribóia. Foi uma pedalada forte e contra o vento até o lugar desejado, mas a paisagem tornou o passeio impagável. A volta foi mais devagar, paramos em Jurujuba no bar no seu Roberto, bebemos meia dúzia de ampolas, como diz o Fraga, e ainda tivemos o privilégio de beber a saideira com o Hélio, camarada que pedala pra caceta pelo estado inteiro.





Neste mesmo bar ligamos para o Simas, brindamos para o Simas, e marcamos de encontrar o Simas no mercado de São Pedro. Estava com seu pessoal todo, inclusive com seu compadre Claudio e com a Clarinha. Sobre a comida só vendo pra crer. Camarão pacas, namorado pacas, enfim, comida pacas.






Pegamos a barca das duas e meia de volta para o Rio e fomos cada um para o seu lado. Antes porém, fiquei de encontrar-me à noite com o Rodrigo na estréia da roda de samba do Pratinha no Estephanio´s. Era a certeza de um fechamento que coroaria mais um domingo estupendo. E para completar este dia que me surpreende a cada semana, somaram-se a nós o Edu, a Dani, a Betinha, o Flavinho, o Simas, a Helô estava também, o Prata (lógico), o Fernando (que vai pedalar conosco na próxima), e vários outros que viveram este dia anormal.




Foram poucas palavras, mas sinceras e suficientes para retratar um dia que valeu por sete. Peço desculpas pela pobreza nos detalhes, mas o cansaço está me vencendo com uma covardia impiedosa.

Quem viveu é sortudo e sabe, e quem não viveu imagina e depois sonha.

Até.

domingo, 29 de julho de 2007

TARDE FRIA

Provavelmente a tarde mais fria do ano. O vento gelado e cortante nos fez esquecer que vivemos no Rio de Janeiro. Pela manhã cada um no seu canto, debaixo das cobertas e com medo da temperatura que dominava o dia no exterior dos aconchegantes lares.

No início da tarde falei com Rodrigo Folha Seca e o Simas, na tentativa de nos encontrarmos para ver o jogo no Joaquim e espantar a friaca com doses de maracujá. Simas topou na hora, e Digão, que estava com seu filhote Miguel, andava preguiçoso, mas resolveu dar as caras também.



Cervejas foram poucas, porém os maracujás acabaram logo. O Joaquim ficou sob pressão boa parte da tarde para que outra leva desse maravilhoso calmante fosse logo preparada. Enquanto isso, o jogo de futebol de prego comeu solto, juntamente com a purrinha e a zarabatana. Sim zarabatana! Semana passada disputou-se um mini campeonato de botão no Rio-Brasília, e hoje um de zarabatana, que foi vencido pelo Miguel. Eu tentei mas não deu, o Digão nem tentou, e o Simas não leva jeito nenhum, como pode-se conferir no vídeo abaixo:



Como estava passando o jogo do Flamengo na televisão, lembramos do querido Edu, que se encontrava em Pouso de Cajaíba, e ligamos pra ele:

- Faaaaaaaaaaaaala Edu! Só estou te ligando para dizer que estamos todos vendo o jogo no Joaquim e pensamos em você. Tá um frio anormal...

A resposta:

- Estarei presente para o segundo tempo.

Ficamos todos surpresos pois pensávamos que Edu voltaria somente na segunda. E acho mesmo que ficamos sem acreditar. Bom, esquecemos o assunto.

Os maracujás apareceram, e nossos corpos que já se encontravam frios se esquentaram e ficaram confortáveis naquele recanto da Tijuca. A chuva que parara minutos atrás teimou em voltar para ajudar a desenhar um dia daqueles. Rodadas de purrinha e futebol de prego voltaram à mesa para matar qualquer possível desânimo, e ainda por cima o Flamengo acabara de empatar uma partida praticamente perdida com o Corinthians, e o meu América acabara de vencer o Guarani, notícia que aguardava ansioso de ouvido colado no rádio.

O dia que já virava noite estava praticamente morto, quando aos quarenta e cinco do segundo tempo dobra a esquina um cara que honra com a palavra, Edu Goldenberg. E não é que o cara apareceu! Conversas foram reiniciadas, novas rodadas vieram para a mesa, e aquele mínimo buraco tijucano tomado por um frio polar jamais visto, foi palco de um momento, nunca pensem que é o mesmo, que sempre surpreende por ser mais intenso a cada dia que passa.


E o dia ainda acabou com Digão me ligando para escutar "Adios Nonino" do Piazzolla via telefone. E o pior foi que eu retornei a ligação para ele ouvir a mesma música.

Coisa de maluco.

domingo, 15 de julho de 2007

IMAGENS DE UM DOMINGO

Camaradas, estou completamente sem condições de escrever algo. Este momento de minha vida se resume apenas em algumas emocionantes imagens. Imagens que falam mais do que minhas insignificantes palavras. Quem viveu sabe do que se trata.

Almoço.


O filho e o pai.


O americano perdedor...


...erguendo o braço do sempre vencedor.


Vieram outros e até apostaram.


Barbada!


O templo.


Felicidade de um campeão.


Companheiras de mesa.


Brasil 3 x 0 Argentina.


Esse de vermelho ganhou, mas o menino deixou.


Mofada.


A turma.


Mais de perto.


Até e beijos a todos.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

CANTINHO DOS AMIGOS

Na semana passada, precisamente na quinta - Corpus Christi - resolvi dar uma pedalada pelas redondezas de meu querido bairro, sem rumo, apenas para distrair a monotonia e quiçá engrandecer o meu destino pelo caminho. Tinha tricolor pacas nas ruas por causa do título da Copa do Brasil (faziam 23 anos...) dando de certa forma um ar de alegria em cada esquina. Os botecos estavam cheios, e assunto não faltava naquela ensolarada manhã.

Andava com minha caloi 10 datada de 1979 pela rua Barão de Mesquita quando por acaso fiquei defronte a um interessante pé sujo que estava cheio de gente, uns jogando dominó numa mesa da calçada, outros em pé com seus copos na mão observando a calorosa partida, e os demais lá dentro sentados. O nome da casa faz jus aos fregueses, Cantinho dos Amigos.


Cantinho dos Amigos

Uma canção familiar sonava por ali, e somente quando me cheguei à beira do balcão para pedir uma garrafa - capa branca - ao Chiquinho, percebi que vinha de um radio toca-fitas muquirana, velho e lindo para caceta, que tocava através de seus humildes falantes a música Chore Comigo, e a voz era do singular Nelson Gonçalves, um de meus preferidos. Pouco tempo atrás, na coluna BOLACHA DA VEZ aqui do Boemia & Nostalgia, falei sobre um disco dele e disponibilizei exatamente esta faixa para a audição.

Um pouco depois chegou meu camarada Murillo, torcedor do América, e ficamos por ali por mais algum tempo, pude então olhar alguns quitutes do local, como a porção de moela refogada no alho e língua com cebola e pimentão.

Ao marchar, veio comigo a certeza de que voltarei, simplesmente por se tratar de um botequim honesto, e que tem o seu valor. Resolvi neste momento começar a empreitada de realizar um censo dos botecos da região, incluindo até as menores portinhas. Vai ser bacana.

Fiz ainda uma pequena parada no bar do Chico, velho conhecido da patota da área, como Simas e Edu Goldenberg, que sempre param por ali depois da feira dominical, e Vicente, um coroa ex-vizinho meu, boa praça. Murillo, taxista que nunca leva passageiro, eu nunca vi, inicia neste bar o que ele chama de círculo vicioso. Começa no bar do Chico, passa pelo bar Pink, Columbinha, e termina no Joaquim. Depois reinicia o trajeto quando pode, sempre pagando cerveja para os amigos e vice-versa. É um figura do nosso cotidiano.


Murillo no bar do Chico


Até o próximo bar.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

ARMAZÉM SENADO - 100 ANOS

Conversando ontem com o Fernando, meu chapa e um dos donos de uma relíquia chamada Armazém Senado, tive a feliz notícia de que a festa em homenagem ao centenário da casa, eu disse CEM anos, será finalmente realizada em julho. Para quem não conhece, este canto nostálgico fica na esquina de Gomes Freire com Senado, bem no centro da cidade maravilhosa, e quando você entra é amor ao primeiro gole. Dentro deste pé direito de 6 metros você pode apreciar Brahma Extra, Bohemia, Original, Brahma... Sempre no calibre.



São vários os prazeres que logramos no local além de beber com os camaradas, listarei alguns:

- É muito bom debruçar os cotovelos no larguíssimo balcão de mármore enquanto se aprecia os velhos sobrados da área.

- Ficar olhando o velho Antônio, dono, do tempo do lá vai fumaça, pai de Henrique e Fernando, manusear os produtos do Armazém que são vendidos à granel só para o dia passar...

- Brincar com o eterno gato da casa, o bichano pede logo carinho quando você levanta o dedo por uma gelada.

- Conversar com os fregueses do bar também centenários. Saldanha, seu Orlando, tia Cida, tia Joana, o velho cantor. É cada causo de dar inveja do passado que não vivi.

- Ficar bebendo e olhando para os produtos que estão à venda e expostos naquelas imensas prateleiras: sandálias havaianas, caixas de maizena, potes de aveia, lustra móveis, um lustrador de pratas das antigas, latas de salsicha, macarrão, farinha, achocolatado Behring (o da caixa amarela), cachaça pra cacete, e várias outras miudezas que fogem-me da memória no momento. Ah, e sobre a porta do banheiro feminino repousa pendurado um serrote?!? Deve ser alguma mandinga...

- Se por acaso o lugar estiver cheio, ou se estiver vazio também, você pode ficar do lado dentro do balcão, sentado ou em pé.

- De comer não há variedade, praticamente frios, azeitonas de saquinho e tremoços. Delícia! Mas, se quiseres pode levar comida de casa, entrar na cozinha e fazer seu tira gosto sem problemas.

- Outra coisa importante é que o seu Antônio é América, tem até um relógio de parede em cima da porta da despensa.

- Todo o primeiro sábado do mês o Fernando coloca uma vitrola para que os fregueses levem seus discos e apreciem suas canções favoritas do passado.

Dando uma pausa nesta listagem aproveito para ressaltar este último item. Muitos sabem que coleciono lps, e por isso sempre estou neste sábado no Armazém. Quando eu chego com minha bolsa de vinis os coroas hurram de alegria. É um imenso benefício para o meu interior fazer com que aquelas pessoas se relembrem das velhas canções, teve gente que já pediu para que eu parasse pois era muito para seu coração. É Cartola, Vinicius, Altemar Dutra, Dolores, Dalva, Noel, Jamela, Nelson Gonçalves (com este o pessoal pira), Moreira da Silva, Anísio Silva, Nelson Cavaquinho, Baden, Paulinho da Viola, Geraldo Pereira... E por aí vai.



Um dia estávamos preparando a vitrola e chegou um senhor negro meio cabisbaixo, pousou-se no balcão e pediu sua cerveja. Após a música começar, puxei uma prosa com ele, seu Abreu, gente finíssima. Estava com problemas em casa e faria aquela parada no bar antes de almoçar com sua irmã como combinado. Em certo momento, aquele homem percebeu que estava sendo querido por pessoas que nunca tinha visto em sua longa vida. Interagiu conosco, abriu um sorriso e disse-me:

- Vocês estão me fazendo lembrar da felicidade por um instante...

Bicho, deu aquele nó na garganta, foi foda. Mas ao mesmo tempo pensei comigo que é por isso que estes lugares existem, para unir pessoas que precisam de outras, gerando assim este sentimento de afeto que está cada vez mais raro, porém sempre encontrado nos verdadeiros botequins. Parte dessa nossa cultura que estão querendo acabar... Coisa da "canalha" como diz o Edu.

Quando a voz de Jamelão bradou pelas humildes caixas de som do local, seu Abreu deu um pulo surpreso e voltou-me com mais palavras:

- Assim já é demais, faz tempo que não ouço Jamelão, já toquei pandeiro com ele em décadas passadas, adoro sua voz.

Em seguida pegou seu telefone para uma ligação, ele simplesmente cancelou o almoço com a irmã e pediu uma porção de mortadela para o Henrique, e ainda dividiu com os novos companheiros. É ou não é único este momento?



No dia da celebração do centenário, um grupo de samba de raíz de amigos da casa vai tocar, eu vou estar presente, assim como várias figuras amantes deste local e destes costumes. Convidei o trio de camaradas Edu Goldemberg , Szegeri, e Simas, que disseram que aparecerão por lá, e uma turma da antiga rádio Nacional também vai.

Será um momento de resistência para nossa cidade cada vez mais abandonada, assim que souber a data precisa estarei informando. Quem puder apareça por lá.

Abraço.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

LUTEMOS PELO NOSSO

No passado dia 17 comemorou-se o dia das letras galegas, língua falada na região da Galicia, Espanha, que divide origem, características e histórias com o nosso português. Três importantes escritores e membros da Real Academia Galega, juntos de seus séquitos, declararam em 1963, que esta importante data fosse comemorada todos os anos. Manuel Gómez Román, Xurxo Ferro Couselo, e Francisco Fernandez del Riego escolheram este dia pois se tratava na época do centenário do "CANTARES GALLEGOS", livro que é até hoje considerado a obra maestra da literatura galega, escrito pela máxima Rosalía de Castro em 1863.

O meu poeta, escritor e desenhista galego preferido chama-se Castelao, nascido em 1886 em Rianxo. Formou-se em medicina, mas já garoto mostrava paixão pela arte, e desde então escrevia e fazia caricaturas para revistas locais. Nos anos 20, Castelao já era considerado um dos maiores defensores da arte galega. Entrou para a política para defender a cultura de seu povo, mas com a vitória de Franco na guerra civil espanhola de 1936, teve que exilar-se, e a língua galega foi proibida de ser falada na Espanha.

Os galegos foram sempre um dos povos mais sofridos da nação espanhola, por ter os campesinos como a maioria de sua população, e todo mundo sabe que esse pessoal não tem vez mesmo. Na época da ditadura franquista, viram suas já difíceis vidas piorarem cada vez mais, e seus costumes minguarem, já que o ensino nas escolas e os meios de comunicação somente usavam o castelhano como veículo de expressão. Quando a Editorial Galaxia foi fundada em 1950 a situação começou a mudar, pois foram resgatados e publicados vários livros com a língua galega. Castelao voltou para sua terra onde continuou lutando pela identidade da mesma até a hora de sua morte. Em 1983 o galego foi oficialmente declarado língua, deixando de ser um simples dialeto.

Meu falecido pai era imigrante deste lugar assim como meus tios, e todos passaram fome quando pequenos, mas conseguiram vencer unidos. Cansei de ver meu pai com os olhos cheios de lágrimas ao ouvir canções tradicionais galegas, já que em sua maioria as letras falam do banzo, "morriña" em galego, do sofrimento dos camponeses, e dos pescadores que vão ao mar e não voltam mais. Cresci absorvendo este sentimento e entendendo aos poucos porque aquilo emocionava meu velho, e me apaixonei por tudo isso. Morei uma época na Galicia para me aproximar do que pertencia somente ao meu imaginário, aprendi muita coisa, falo um galego fluente, e hoje sou eu que choro ao ouvir as velhas canções.

A nossa rica cultura brasileira também perdeu imensamente com esta ditadura filha da puta que tivemos, e muitos calaram-se contra vontade. E hoje também vivemos uma ditadura em que nossa plebe é obrigada a assistir merda atrás de merda na que chamo desgraça do mundo, a televisão. E como não temos educação neste país, somos facilmente doutrinados pelos grandes ditadores da mídia atual, vocês sabem de quem falo, a adorar o que não é nosso, até que um dia o verdadeiro nosso morrerá no esquecimento. Ainda tenho esperança que podemos reverter pelo menos um pouquinho esta situação, mas com força e grito, falando o que deve ser falado. Vestir-se de branco e dar um abraço na lagoa não adiantará porra nenhuma.

Lutemos pelo nosso folclore e cultura.

Viva a minha GALICIA e viva o meu BRASIL.


Deixo com vocês duas caricaturas em forma de protesto de meu querido Castelao.



lê-se: As sardiñas volverian se os gobernos quisesen


lê-se: Os esclavos do fisco.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

MINHA NOVA CRIANÇA

Em 1959 minha mãe tinha 3 anos, os americanos dominavam o Alasca, começava a revolução cubana, e nascia também a minha mais nova companheira, que vive comigo desde sábado. Falo da querida vitrola valvulada Philips, pouca foram fabricadas, uma raridade que toca vinis de 78 rotações e ainda por cima você pode empilhar os discos enquanto o outro toca, e logo depois eles vão caindo e reproduzindo as canções automaticamente... É alta tecnologia, e te garanto que não quebra igual a estas merdas de tocadores de mp3. Sem falar do som, só ouvido para perceber a qualidade única de um aparelho à válvulas.

Sábado à tarde fui com meu cunhado André ao Armazém Senado, pra variar, pois era o dia da tarde do vinil. Chegando lá, com os meus debaixo do braço, fomos surpreendidos por um defeito na vitrola do Armazém, e sendo assim, nada de música. Tomamos duas cervejas e decidimos dar uma volta na feira do Rio antigo da Rua do Lavradio. Estava rolando um chorinho ao vivo bem bacana, e a feira com muita gente, cheia de vida e coisas interessantes para olharmos. Ainda por cima encontramos nosso camarada Darcy, que iniciou um agradável passeio conosco. Antes um pouco antes de chegar a esquina com a av. Men de Sá, me deparei com esta maravilha de 1959 em uma barraca. Puxei o André pelo braço e falei:

- Meu irmão, dá uma olhada naquilo!

Ele riu pra mim já sabendo que ficara louco pela vitrola. Estava olhando e muitas pessoas também, inclusive fotografando, até que a moça da barraca me conheceu:

- Você não é o Felipe? Aquele que compra discos na barraca do meu marido na Rua dos Inválidos, o Reinaldo?

- Exatamente. Não sabia que a senhora era a esposa dele.

- Sou sim, e ele está vindo aí. Você gostou da vitrola né? Se quiser levar separo pra você, e pode pagar na segunda.

- Ainda estou meio na dúvida. Vou dar uma andada para pensar e depois volto para falar com o Reinaldo.

Essas titubiadas que são foda. Já deixei de comprar muito disco raro por causa dessa porra, deixo pra depois e quando volto alguém já levou. Fiquei conversando com o André para ver o que achava e ele disse:

- Leva logo cara, você é maluco por essas coisas mesmo. Eu compraria sem pensar, depois vai se arrepender...

Nessa hora eu gelei e entrei e desespero:

- Vou pegar a grana no banco e vamos voltar logo, tomara que alguém não tenha comprado.

Reinaldo já estava lá, e ela também, ainda órfã. Me senti um pai quando reencontra seu filho perdido, que felicidade. Fechei negócio com Reinaldo e levamos a criança ao Armazém, para que pudesse ser testada e para podermos continuar com a tarde do vinil. Todos ficaram olhando com ares de passado, a coroada ficou doida e eu muito feliz com tudo aquilo. Botei logo um Nelson Cavaquinho e depois um Robertão das antigas.





Fiz um filminho dela e coloquei no Youtube para quem quiser dar uma olhada, é so clicar aí em cima. Agora ela está aqui do meu lado me dando alegria em troca de carinho e cuidado. Ainda bem que a Heloisa entende e não fica com ciúmes. Quem quiser visitá-la pode dar uma passada aqui em casa.

Até a próxima.

terça-feira, 1 de maio de 2007

O FÍGADO DO JOAQUIM

Domingo, Flamengo e Botafogo jogando na televisão, e eu com minha camisa do América de 1960 sentado à mesa do bar do Joaquim juntamente ao meu tio-pai Celestino e meu irmão Zé. Eu e meu tio estávamos tranquilos, já o Zé... Flamenguista doente, sofria com a pressão inicial da equipe alvinegra. Um pouco depois chegava Edu Goldemberg, fantasiado da cabeça aos pés de vermelho e preto, fiz até o sinal da cruz. Sentou-se conosco e começamos todos a beber juntos, pedimos pastéis e uma porção de radaba com agrião. Meu corpo não estava satisfeito, e foi então que decidi pedir o manjar dos deuses: Uma porção de iscas de fígado acebolado com batatas coradas!!! Foi só vir pra mesa que todos começaram a desejar aquele prato maravilhoso, depois desta vieram mais umas três porções.

Estava conosco também o pessoal do Inimigos do batente, um excelente grupo paulista de samba de raiz, que degustaram e ficaram maravilhados com a iguaria. Zézin e Edu arrancavam os restos de seus cabelos em prol da batalha que se realizava no templo Maracanã. Até que o Zé foi ao banheiro e o Botafogo abriu o marcador. Foi uma gritaria geral:

- Filho da puta! Quem mandou se levantar para ir ao banheiro!

- Tava apertado, mas prometo que mijo nas calças da próxima vez...

Não adiantou muito, o time preto e branco ampliou o placar logo depois, mesmo sem banheiro. Todos ficaram desolados e ao mesmo tempo putos da vida, vendo o urubu perdendo daquele jeito ainda na primeira etapa. E foram-se mais garrafas de Boemia e Brahma, e também começaram a chegar alguns maracujás.

No segunda tempo foi um pega pra capar, roeram-se unhas, bateu-se na mesa, gritos e xingamentos saíram de bocas rubro-negras. Mas por pouco tempo. Na hora do penal, urraram como animais e não olharam para a tela na hora do tiro ao gol, somente quando escutaram que a bola tinha estufado a rede. E quando o empate aconteceu a felicidade dos flamenguistas foi geral, eu continuei na mesma, bebendo minha cerva e de barriga cheia, mas agora com amigos mais felizes.

Saímos dali para comemorar o aniversário do Edu no Trapiche Gamboa, com o grupo Inimigos do Batente e canja de Dorina e Beth Carvalho. E desta vez para hidratar, bebíamos Original. Aproveito aqui para recomendar a casa. O Trapihe é um casarão na Gamboa com um pé direito de 13 metros de altura e datado de 1867... Não preciso falar mais nada, foi mais um dia com ar de antigamente.

Até.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

ESTEPHANIO'S - 7 ANOS

Completaram-se ontem 7 anos do Estephanio's, que apesar de pouca idade já tem muita história pra contar. Fiz questão de comparecer, aliás, como faço todo santo ano, desde o primeiro. Ao chegar sentei-me à mesa com o Fernando e ficamos conversando sobre o pessoal das antigas da casa e de como o tempo passa rápido, parece que foi ontem a inauguração. Falávamos também dos casais que se formaram no lugar e nas famílias que nasceram ali. Minha irmã e meu cunhado começaram ali e hoje tenho dois sobrinhos, Heloisa já está comigo há quase 6 anos e o primeiro chopp que bebemos juntos também foi lá, muita gente se conheceu no bar.

Embora toda a turma das antigas não estivesse lá, muitos marcaram presença, e junto com o pessoal mais novo encheu o lugar de felicidade, marca eterna do Estéfi, todos conversando com todos, como uma família unida. Senti a falta do meu irmão Zé, pois já bebemos muitas naquelas mesas, e ontem infelizmente não pôde comparecer.

Fico feliz pelo pessoal do Estephanio's, que conseguiu fazer com que o lugar se torna-se referência de botequim, e vem crescendo a cada dia. O bloco Segura para não cair é exemplo disso, durante alguns anos homenageou pessoas lindas do nosso samba, como Aldir Blanc, João Bosco e Beth Carvalho. Falando em Aldir, esse é um cara que é frequentador do bar, o pessoal colocou até um busto dele na parede, como se fosse um santo.

Parabéns Estephanio's, e a todos que comandam e frequentam este fabuloso lugar da Zona Norte, pessoas que sempre estão com um sorriso nos lábios e amizade do coração, coisa rara nos dias de hoje.

Vou deixar uma letra do Aldir com parceria de Silvio da Silva Jr. como uma humilde oferenda para o Estéfi:


"Amigo é pra essas coisas"

-Salve
.Como é que vai?
-Amigo há quanto tempo
.Um ano ou mais
-Posso sentar um pouco?
.Faça o favor
-A vida é um dilema
.Nem sempre vale a pena
-
.O que que há?
-Rosa acabou comigo
.Meu Deus porque
-Nem Deus sabe o motivo
.Deus é bom
-Mas não foi pra mim
.Todo amor um dia chega ao fim
-Triste
.É sempre assim
-Eu desejava um trago
.Garçon mais dois
-Não sei quando eu lhe pago
.Se vê depois
-Estou desempregado
.Você está mais velho

.Vida ruim
-Você está bem disposto
.Também sofri
-Mas não se vê no rosto
.Pode ser
-Você foi mais feliz
.Dei mais sorte com a Beatriz
-Pois é
.Tudo bem
-Pra frente é que se anda
.Você se lembra dela
-Não
.Lhe apresentei
-Minha memória é fogo
.E o "largent"?
-Defendo algum no jogo
.E amanhã?
-Que bom se eu morresse
.Pra que rapaz?
-Talvez Rosa sofresse
.Vá atrás
-Na morte a gente esquece
.Mas no amor a gente fica em paz
-Adeus
.Toma mais um
-Já amolei bastante
.De jeito algum
-Muito obrigado amigo
.Não tem de que
-Por você ter me ouvido
.Amigo é pra essas coisas
-Tá
.Toma um Cabral
-Sua amizade basta
.Pode faltar
-O apreço não tem preço
Eu vivo ao Deus dará

domingo, 4 de março de 2007

ARMAZÉM SENADO

Como é bom estar no Armazém Senado! Pé direito de cinco metros de altura e um velho e largo balcão de mármore. Lugar de 100 anos de boemia, aliás, já estou convidado para a comemoração desta data em abril. Comanda este patrimônio seu Antônio e os dois filhos, Fernando e Henrique, pessoal boa praça, das antigas. Neste velho armazém encontramos um pouco de tudo: sandálias havaianas, milho a granel, salsicha em lata, lustra móveis, Nescau, vassoura, e logicamente, uma cerveja capa branca no copo Nadir Figueiredo, mais conhecido como americano. De comer não há variedades, somente frios. Agora, pra quem é da casa o seu Antônio libera a cozinha para que possamos fazer comida, exatamente assim, pode acreditar.


Passei lá neste sábado com minha senhora (Heloisa), minha irmã (Nathalia) e meu cunhado e irmão (André), os camaradas já estavam presentes e quando cheguei o Mendonça foi logo me dizendo onde estavam os discos:

- Fala Felipe, comprei esta caixa com uns 100 vinis. Fica à vontade e bota pra quebrar.
Explicando. Todo o primeiro sábado do mês o Fernando coloca uma vitrola para que os clientes possam levar seus discos e escutá-los. Tem gente que já deixa os lps num canto do armazém pro outro mês. Como eu coleciono discos, gosto de ficar comandando a vitrola e então virei uma espécie de dj do pessoal. O som é sempre nostálgico, como Cartola, Elizeth, Chico, Nelson Cavaquinho, Jorge Aragão, Anisio Silva, Sinatra...




E assim vai. Com uma Brahma sempre gelada no copo, estava conversando com a Helô e a Nath quando veio até a minha pessoa um senhor que estava bebendo no balcão ao nosso lado:

- Você gosta de música?

- Sim, gosto.

- Eu toco violão há 40 anos, sou solista. Mas minha profissão é engenheiro de tubulações e civil. Estou aqui com a minha viola de 1962. Quer ver?

O cara era a maior figura, o violão dele era realmente antigo e bem cuidado. Ele ficou me explicando coisas de música, sustenido, notas... E até deu uma palhinha pra nós. É aquele tipo de cara que parece que tá na merda por que a família o largou, ou vice-versa. Depois de muita conversa, seu Oscar, que pediu para o chamássemos só de Oscar, nos contou que mora "sozinho" na Gomes Freire porque tinha se divorciado da mulher, mas que de vez em quando vê os netos. E por umas quatro ou cinco vezes, já depois de tomar algumas, falou com ar de saudades que ainda gostava de sua ex-esposa. Demos tanta atenção pro cara que ele falou que estava muito feliz de estar conosco e me deu um cartãozinho da firma dele para ligarmos no caso de querermos aprender violão. Coroa gente fina, um bom exemplo de boemia e nostalgia.




Oscar, eu e André


Quando ele foi embora me juntei ao André, que conversava com o Ronaldo, um companheiro de copo. Falávamos de como o mundo de hoje está perdido e a conversa foi boa porque o cara é radical que nem eu, acreditando que não existe tempo como o de antes. O André falou rindo pra caramba:

- Pô Felipe pensei que só você era assim meio radical, mas tô vendo que tem mais gente...

E Ronaldo nos contando como conheceu Nelson Cavaquinho, Monarco, Nelson Sargento, e outros da velha guarda. Convidou-nos para irmos um dia na Mangueira conhecer o pessoal. O Nelson Cavaquinho ele diz que conheceu num bordel quando era novo, e que sua avó que lhe deu o dinheiro para conhecer os prazeres da vida. Outra figura, outro gente fina.


Nessa altura do campeonato Heloisa e Nathalia tinham ido dar uma passada na feira do rio antigo que tem todo mês na rua do Lavradio, um pouco depois resolvi dar olhada também e procurá-las. O André ficou conversando com o Ronaldo. A feira estava cheia, várias barracas com coisas antigas bem legais, incluindo muitos vinis. Tinham dois grupos de música se apresentado na feira, um de tango e outro de choro, este último com a filha do saudoso Rafael Rebelo no cavaquinho. Andava por ali até me deparar diante do velho cortiço da rua do Lavradio, primeiro endereço da minha família espanhola no Brasil na década de 50. A fachada é muito bonita, mas está degradada pelo tempo e por um incêndio que há dois anos danificou mais ainda o lugar. E como os filhos da puta que governam o país cagam pra tudo o que é história, não tenho muitas esperanças de que vai ser reformado. Entrei no cortiço, ainda há pessoas morando ali, tirei várias fotos e depois fiquei olhando o local, me deu a maior emoção, confesso que cheguei a chorar. Saí dali e encontrei as duas que perceberam que estava com olhos vermelhos e eu contei o motivo.


Helô e Nath

Fachada do Cortiço


Voltamos para o Armazém e o pessoal tinha quase todo ido embora, é que sábado fecha cedo. André ainda bebia com o Ronaldo e então pedimos a saideira pois Fernando tinha começado o ritual de lavar os pés dos fregueses. Como é bom fechar um bar, ainda mais se tratando deste lugar especial.


Fomos embora e andamos juntos até a rua do Lavradio. André me chamou atenção para um senhor encostado do lado de fora de um bar, ele parecia ser de outra época. Perguntei-lhe seu nome e logo depois se poderia tirar uma foto dele:

- Meu nome é Lepoldo. Pode tirar a foto, mas deixa eu largar o copo senão vou pensar que sou cachaceiro.

Eu disse que não tinha problema, só não tinha como sair dali sem uma foto dele. vejam a figura logo abaixo, o que acham?

Leopoldo

Depois disso André e Nathalia foram para Copacabana, bairro do André, e eu pra casa com a Heloisa. Quando estávamos na Men de Sá, perto do ponto de ônibus, resolvemos passar no Capela para comer algo e tomar outra saideira, desta vez chopp. Caldeireta com muito colarinho, do jeito que eu gosto, muito bom. Seu Aires (um dos donos) passava por ali e fui falar com ele. Falamos de El Faro, Caneco 70, Caneco 2, de meus tios e pais, e da Galicia também.


Eu e seu Aires

Dia de vários momentos e conversas com pessoas sempre especiais. Temos que aproveitar e dar valor aos belos momentos da vida pois eles estão cada vez mais difíceis de acontecer, e quando acontecem temos que desfrutar e agradecer.


Até outro momento.