domingo, 4 de março de 2007

ARMAZÉM SENADO

Como é bom estar no Armazém Senado! Pé direito de cinco metros de altura e um velho e largo balcão de mármore. Lugar de 100 anos de boemia, aliás, já estou convidado para a comemoração desta data em abril. Comanda este patrimônio seu Antônio e os dois filhos, Fernando e Henrique, pessoal boa praça, das antigas. Neste velho armazém encontramos um pouco de tudo: sandálias havaianas, milho a granel, salsicha em lata, lustra móveis, Nescau, vassoura, e logicamente, uma cerveja capa branca no copo Nadir Figueiredo, mais conhecido como americano. De comer não há variedades, somente frios. Agora, pra quem é da casa o seu Antônio libera a cozinha para que possamos fazer comida, exatamente assim, pode acreditar.


Passei lá neste sábado com minha senhora (Heloisa), minha irmã (Nathalia) e meu cunhado e irmão (André), os camaradas já estavam presentes e quando cheguei o Mendonça foi logo me dizendo onde estavam os discos:

- Fala Felipe, comprei esta caixa com uns 100 vinis. Fica à vontade e bota pra quebrar.
Explicando. Todo o primeiro sábado do mês o Fernando coloca uma vitrola para que os clientes possam levar seus discos e escutá-los. Tem gente que já deixa os lps num canto do armazém pro outro mês. Como eu coleciono discos, gosto de ficar comandando a vitrola e então virei uma espécie de dj do pessoal. O som é sempre nostálgico, como Cartola, Elizeth, Chico, Nelson Cavaquinho, Jorge Aragão, Anisio Silva, Sinatra...




E assim vai. Com uma Brahma sempre gelada no copo, estava conversando com a Helô e a Nath quando veio até a minha pessoa um senhor que estava bebendo no balcão ao nosso lado:

- Você gosta de música?

- Sim, gosto.

- Eu toco violão há 40 anos, sou solista. Mas minha profissão é engenheiro de tubulações e civil. Estou aqui com a minha viola de 1962. Quer ver?

O cara era a maior figura, o violão dele era realmente antigo e bem cuidado. Ele ficou me explicando coisas de música, sustenido, notas... E até deu uma palhinha pra nós. É aquele tipo de cara que parece que tá na merda por que a família o largou, ou vice-versa. Depois de muita conversa, seu Oscar, que pediu para o chamássemos só de Oscar, nos contou que mora "sozinho" na Gomes Freire porque tinha se divorciado da mulher, mas que de vez em quando vê os netos. E por umas quatro ou cinco vezes, já depois de tomar algumas, falou com ar de saudades que ainda gostava de sua ex-esposa. Demos tanta atenção pro cara que ele falou que estava muito feliz de estar conosco e me deu um cartãozinho da firma dele para ligarmos no caso de querermos aprender violão. Coroa gente fina, um bom exemplo de boemia e nostalgia.




Oscar, eu e André


Quando ele foi embora me juntei ao André, que conversava com o Ronaldo, um companheiro de copo. Falávamos de como o mundo de hoje está perdido e a conversa foi boa porque o cara é radical que nem eu, acreditando que não existe tempo como o de antes. O André falou rindo pra caramba:

- Pô Felipe pensei que só você era assim meio radical, mas tô vendo que tem mais gente...

E Ronaldo nos contando como conheceu Nelson Cavaquinho, Monarco, Nelson Sargento, e outros da velha guarda. Convidou-nos para irmos um dia na Mangueira conhecer o pessoal. O Nelson Cavaquinho ele diz que conheceu num bordel quando era novo, e que sua avó que lhe deu o dinheiro para conhecer os prazeres da vida. Outra figura, outro gente fina.


Nessa altura do campeonato Heloisa e Nathalia tinham ido dar uma passada na feira do rio antigo que tem todo mês na rua do Lavradio, um pouco depois resolvi dar olhada também e procurá-las. O André ficou conversando com o Ronaldo. A feira estava cheia, várias barracas com coisas antigas bem legais, incluindo muitos vinis. Tinham dois grupos de música se apresentado na feira, um de tango e outro de choro, este último com a filha do saudoso Rafael Rebelo no cavaquinho. Andava por ali até me deparar diante do velho cortiço da rua do Lavradio, primeiro endereço da minha família espanhola no Brasil na década de 50. A fachada é muito bonita, mas está degradada pelo tempo e por um incêndio que há dois anos danificou mais ainda o lugar. E como os filhos da puta que governam o país cagam pra tudo o que é história, não tenho muitas esperanças de que vai ser reformado. Entrei no cortiço, ainda há pessoas morando ali, tirei várias fotos e depois fiquei olhando o local, me deu a maior emoção, confesso que cheguei a chorar. Saí dali e encontrei as duas que perceberam que estava com olhos vermelhos e eu contei o motivo.


Helô e Nath

Fachada do Cortiço


Voltamos para o Armazém e o pessoal tinha quase todo ido embora, é que sábado fecha cedo. André ainda bebia com o Ronaldo e então pedimos a saideira pois Fernando tinha começado o ritual de lavar os pés dos fregueses. Como é bom fechar um bar, ainda mais se tratando deste lugar especial.


Fomos embora e andamos juntos até a rua do Lavradio. André me chamou atenção para um senhor encostado do lado de fora de um bar, ele parecia ser de outra época. Perguntei-lhe seu nome e logo depois se poderia tirar uma foto dele:

- Meu nome é Lepoldo. Pode tirar a foto, mas deixa eu largar o copo senão vou pensar que sou cachaceiro.

Eu disse que não tinha problema, só não tinha como sair dali sem uma foto dele. vejam a figura logo abaixo, o que acham?

Leopoldo

Depois disso André e Nathalia foram para Copacabana, bairro do André, e eu pra casa com a Heloisa. Quando estávamos na Men de Sá, perto do ponto de ônibus, resolvemos passar no Capela para comer algo e tomar outra saideira, desta vez chopp. Caldeireta com muito colarinho, do jeito que eu gosto, muito bom. Seu Aires (um dos donos) passava por ali e fui falar com ele. Falamos de El Faro, Caneco 70, Caneco 2, de meus tios e pais, e da Galicia também.


Eu e seu Aires

Dia de vários momentos e conversas com pessoas sempre especiais. Temos que aproveitar e dar valor aos belos momentos da vida pois eles estão cada vez mais difíceis de acontecer, e quando acontecem temos que desfrutar e agradecer.


Até outro momento.

Um comentário:

disse...

Vejo que estás virando um belo cronista do Rio antigo. Que bom. Pena não poder te acompanhar nessas andanças. Responsabilidades de um pai bastante zeloso. Sucesso nesta empreitada que se inicia recheada de preciosidades da boemia. Grande beijo, irmão. E espero te encontrar no Bico Doce para comemorar o seu aniversário.