sexta-feira, 26 de setembro de 2008

MÚSICA DE BAR

Seu Waldir está com 76 anos, é asmático, bebe, fuma pacas, e canta. Mora em um sobrado na rua Gomes Freire, no Centro, com a mãe de 97 anos. Todas as terças e quintas faz a alegria do povo soltando sua voz pelos botequins, e não cobra nada para cantar. O seu repertório melancólico não intimida o pessoal, que ainda pede "bis" após cada canção. Sou fã do Waldir, vou prestigiá-lo quase sempre, e bato palmas para ele.



Até.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O REI DAS CHINELAS

Foi em 1973 que o seu Figueiredo abriu sua simpática loja na Praça Afonso Pena, Tijuca. "FIGUEIREDO, O REI DAS CHINELAS" é o nome pomposo da lojinha. Este português de Guimarães é um mistério. Quando cheguei em seu estabelecimento para fazer as fotos, disse que não poderia fazê-las da porta para dentro, e muito menos queria ser fotografado. Perguntei-lhe o motivo e disse-me que seus espíritos não achariam bom. Achei curioso, não sei se foi um modo de me enrolar, mas respeito acima de tudo. Arrematou dizendo que se a sua foto fosse divulgada por aí, ninguém mais iria querer aparecer na loja. Deve se achar feioso, o sujeito.

Este senhor além de vender as antigas chinelas, chinelos, e sapatilhas, faz o conserto das mesmas. Todos aqueles apetrechos antigos de um bom sapateiro estão à mostra no local ao lado de algumas imagens de santos. Consegui apenas fotografar o letreiro e uma das vitrines, que para a minha alegria tinha um adesivo do meu América com o dizer: "UMA QUESTÃO DE AMOR".









Descolei poucas informações de seu Figueiredo, uma delas é que ele vive na Tijuca, na rua Mariz e Barros.

A Praça Afonso Pena é um ponto magnífico, e perguntei-lhe se venderia algum dia, ou se alguém já lhe havia feito propostas:

- Não saio daqui, não existe loja igual a minha. Além do mais não preciso de dinheiro, gosto mais destes sapatos.

Foi curto e grosso.

O que vale é que o lugar é interessantíssimo, tijucano, e já que não consegui mostrar seu interior, e a cara do dono, vale uma visita.

Até.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O NOME DELE É NUNES!

Muitos indivíduos nos dias de hoje se dizem entendidos sobre botequim, dão "conselhos", pitacos, fazem listinhas dos "dez mais", e o escambau. Seria muito bacana isso tudo, pena que a maioria desses entendidos soam a galhofa. É uma tristeza só, não sei se é para rir ou para chorar.

O que eu sei é que gosto de bares, das pessoas que habitam biroscas, dos sentimentos concebidos ali... Porém, tudo sem "lista" e sem o caralhoaquatro.

É por isso que todos os domingos, eu disse todos, às 9 da manhã, compareço ao bar Urca.

Você deve estar exclamando:

- O Felipinho vai para beber cerveja!

É verdade, claro que é para beber cerveja, mas o protagonista das minhas manhãs de domingo não é ela, é o NUNES! Não é o Nunes ex-atacante do Flamengo não, é o NUNES do Bar Urca.

O NUNES é uma dessas pessoas que habitam os botecos, por isso conto os segundos para que o meu domingo chegue. Logo de manhã ele serve para a rapaziada as Brahmas mais geladas, as mais bem criadas, com todo carinho, justamente por que sabe que nossa turma aparece naquela hora por elas.

O cearense NUNES começou no batente por aqui em 1971 no abolido Café e Bar Esplendor, em Ipanema. Este bar pertencia ao atual dono do Bar Urca, o seu Gomes. Em 17 de outubro de 1973, NUNES migrou para a Urca com o seu patrão, e ambos estão lá até hoje.

A descontração de nossa roda dominical de amigos de balcão é somada com a alegria do NUNES:

- Senhores do Conselho, vejo que vossa Brahma está findada! Falarei para a foca que vive na geladeira providenciar outra!

Assim urra de dentro do balcão o nosso NUNES, anunciando a chegada de mais uma mofada para nós.

Grande figura, grande sabedor de bar, grande personagem da boemia carioca.

E que os tolos entendidos fiquem longe dele!








Até.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

ESPANHOL

Como alguns sabem, perdi meu pai quando tinha dezoito anos. O coroa morreu cedo, e não aproveitei muito a vida ao seu lado. Gostaria muito de poder dividir o balcão de um bar com ele. Deve ser muito bom beber umas cervejas ao lado de um pai, escutando seus conselhos, compartilhando histórias. Qualquer dia escrevo um pouco sobre o velho Manolo.

Enquanto crescia, dava um jeito de conseguir alguém que suprisse essa falta patriarcal, e não tive dificuldades, pois esta pessoa sempre esteve ao meu lado. Meu tio Celestino, irmão de meu pai, e mais conhecido como espanhol, é como um pai pra mim. É amigo, companheiro, dá e recebe conselhos, bebe comigo... Enfim, é um pai mesmo.

Meu tio veio para o Brasil em 1958, a miséria do pós guerra na Espanha durou anos. Hoje diz que é mais brasileiro que espanhol, e ama demais o país que o acolheu. Trabalhou a vida inteira no ramo de restaurante e bares, mais precisamente no extinto El Faro, em Copacabana. Falar do El Faro é outro capítulo. Ele ficava na Av. Atlântica ao lado da galeria Alaska, um dos redutos da sacanagem carioca. Presenciou muita coisa, uma delas foi a morte do Almir Pernambuquinho, que foi esfaqueado na frente dele. Depois de mais de quarenta anos atrás do balcão, meu tio resolveu "pendurar as chuteiras".

Quando saímos juntos, gostamos de ir nos bares onde estão seus amigos. Vamos muito ao Bar Brasil, que chamamos de Alemão, por causa do seu Pepe. Seu Pepe é amigão dele, e está há cinquenta anos no Bar Brasil. Semana passada estávamos por lá e pedimos chopp - na minha opinião o melhor do Rio - e para acompanhar, picles, pepinos em conserva, e paté com pão preto. Duas meninas e dois rapazes com ares de frescos entraram na casa e sentaram-se ao nosso lado. Pediram o cardápio, olharam para nossa comida, e chamaram o garçom:

- Garçom, tem hamburguer?

O bigode olhou pra nós, querendo rir, e respondeu na lata:

- Temos porco! Joelho, pé, orelha, linguiça de tripa...

A cara dos quatro forasteiros foi de pavor, se mandaram, e acho que nunca voltarão.

No Rio-Brasilia - nobre botequim da Tijuca - batemos o ponto quase todos os dias, somos da casa desde 1984.

Colecionando estes momentos nos bares que levo a vida com meu tio Celestino. Ficamos felizes e tristes juntos, na mesma mesa. Posso afirmar que sou um homem com pai, e que pai!





Só para finalizar:

Há vinte e um anos ele não vai à sua terra. Temos muita família por lá, e ele morre de saudades. Diz que só volta se for comigo, para bebermos em suas tabernas de infância. Ano que vem eu vou pra lá, e o que ele não sabe é que vou levá-lo também. Quando menos esperar estarei com os bilhetes na mão. Fico tranquilo em tornar isso público, pois meu amado tio não tem nem puta idéia de como se entra num computador.

Até.