terça-feira, 9 de setembro de 2014

BAR DO SEU FERNANDO

Semana passada fui fazer uma visita ao meu amigo Paulinho, do Bar da Portuguesa. O bar fica em Ramos divisa com Olaria, local bem bacana e na minha opinião é um dos melhores da cidade. Como estava com tempo, resolvi sair mais cedo de casa para dar uma volta pelas ruas do bairro. Peguei o trem na Central, sentido Gramacho, e em quinze minutos já descia na estação de Olaria. O dia estava perfeito para passear. Escolhi uma rua, entrei nela e fui andando devagar, chutando folhas no chão, com as mãos pra trás e assobiando Pixinguinha. Observava detalhes das belas casas e olhava a criançada brincando na rua. Alguns bares começaram a aparecer e decidi que poderia beber uma ampola antes de chegar na Portuguesa. Então comecei, sem pressa, a caçar um que fosse de meu gosto.


O bar

Bastaram dez minutinhos para que avistasse o que procurava, e antes de entrar ainda fiquei um pouco do outro lado da rua apreciando o local. Quando entrei fui atendido pelo João, gente fina, e pedi minha Brahminha. Estava no grau, de doer os dentes. O bar não tem nada de especial para comer, mas alguns bolinhos bacanas estavam no balcão, o tradicional ovo amarelo, amendoim, pele e até salsicha Viena da lata. E pelo que pude perceber, a falta de um menu rebuscado não espanta a freguesia do boteco. O botequim fica numa esquina bacana, Felisberto com Custódio, e gente que trabalha por ali mais alguns moradores de casas vizinhas - estes são maioria, diga-se de passagem - são os que descansam os cotovelos no balcão ou nas tradicionais mesinhas com tampo de mármore e pés de madeira. Casa antiga, tradicional, daquelas que falamos que parou no tempo mas que tem enorme importância nos dias de hoje. O nome do boteco é Bar Polveirinha, mas todos chamam de Bar do Seu Fernando, avô de João que fundou o local há mais de quarenta anos e que já morreu. Dona Marina, uma senhora bem simpática, é viúva de Seu Fernando e ainda trabalha ali.


Carta de drinques

Balcão lateral

Balcão frontal


Dona Marina na labuta


Não demorou muito tempo para começar a bater um papo com alguém, é assim que a banda toca num recinto de respeito como o que estava. Confidências são ditas ao que está ao seu lado mesmo sem nunca ter visto o sujeito, como se ele fosse amigo longa data. Conversei com um senhor de bigode, não lembro qual era sua graça, que estava primeiramente no balcão e depois foi para a mesa ao meu lado. É freguês da casa, mora ali ao perto. Fumava Derby com piteira, usava um relógio antigo e admirava a rua com esgar de felicidade. Gente boa. Num dos papos, em que um caboclo que acabara de chegar de bicicleta também participou, falou-se de um mistério. O da bicicleta, que também era da área, disse que seu enteado havia falecido há três anos e tinha sido enterrado de bermuda e com a camisa do Flamengo. Há alguns meses atrás precisou ser exumado e lá foi ele para acompanhar o ato. O homem afirmou, para surpresa geral, que a bermuda já havia desaparecido mas a camisa do Mengão estava lá, intacta, sem nenhum furinho e ainda com cores altivas protegendo o esqueleto do garoto. Houve um instante de silêncio que logo em seguida foi quebrado com gritos: "Mengão é foda"; "Manto sagrado é isso", e outros dizendo que era uma tremenda conversa fiada. Foi um longo debate.


Freguesia da casa

O bar


E assim o tempo passava, quando vi já estava duas horas lá dentro. Olhei pro passarinho na gaiola e o pobre já estava morto de sono. Várias outras prosas vieram e mais gente dava pitaco. Depois da saideira paguei, agradeci a todos pela acolhida e bati perna pra Portuguesa. Foi uma grande descoberta, voltarei em breve.

Até. 

6 comentários:

Marton Olympio disse...

Absolutamente genial.

Renata Iannarelli disse...

Muito bem escrito. Fiquei curiosa por conhecer o bar.

Eduardo Pinto disse...

Felipe,

Excelente texto!
Ficamos emocionados com a publicação, pois envolve a história da minha família.
Sou um dos netos do seu Fernando, que foi um grande exemplo de homem.
Agradeço a publicação.

Abs

Felipe Quintans disse...

Eduardo, os locais mais simples geralmente são os que têm a história mais bonita. Gostei muito da simplicidade do bar, me senti em casa. Este pequeno texto é apenas uma humilde homenagem. Grande abraço.

A VIDA NUMA GOA disse...

Adorei. No meu blog tem MUITA coisa de botequim. Abraço.

Flávio Goy disse...

Desde 2007 acompanho teu blog. Fiquei um tempo sem vir... Hoje descubro essa postagem. Sou de Olaria e não sei se já ouviu falar no Sarau de Choro em Olaria, na praça perto do bar da Portuguesa. Sou um dos fundadores do movimento 100% SUBURBANO, e trabalhamos em prol do reavivamento do choro no bairro do Mestre Pixinguinha. Sem te conhecer, de certa forma sou teu fã, cara rs
Grande abraço e parabéns!

Flávio Goy